quinta-feira, novembro 23, 2006

Livros e Bonecas (I)

Eu gosto de livros como as mulheres gostam de bonecas. Os livros são as minhas bonecas, bonecas com olhos negros nas parangonas dos títulos, vestidas de amarelo, maquilhadas de tinta de imprensa...
Quando chega um livro novo demoro-me em frente à «vitrine», a contemplá-lo com olhos de bébé, olhos ansiosos, olhos «apaches» a preparar o golpe... Não resisto muito tempo. Entro na livraria, compro o volume, levo-o para casa, deito-o sobre as minhas mãos, a ver o que ele faz, se diz papá, mamã, se diz amor, se diz paixão, se diz tragédia... Febril, excitado, nervoso, desmancho-o, descomponho-o, rasgo-lhe as folhas, — folhos de saia —, beijo-lhe as letras com os olhos, mordo com volúpia os pontos dos ii — bicos de seios — arremesso-o enfim para o lado, exausto, desiludido, ávido de outras bonecas, de outros livros...
Na verdade, nada há mais semelhante a um livro do que uma boneca. Tanto nesta como naquele, se procura uma síntese, se procura miniaturar a vida.
Os livros , as bonecas, todos os bonecos nasceram dum despeito. O homem não podendo fazer-se Deus, fez-se artista. Os livros são as bonecas dos homens; as bonecas são os livros das mulheres. São as bonecas que ensinam às mulheres o gesto de embalar, a graça do carmim, aquela ingenuidade da loiça, fútil e quebradiça... Por sua vez os livros ensinam aos homens o
b-á-bá da Vida, a utilizarem os braços, os olhos, a boca; ensinam-nos em conclusão, a brincar com as bonecas...
António Ferro, Batalha de Flores, H. Antunes & C.ª — Editores, Rio de Janeiro, 1923.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

É sempre difícil a escolha
Entre Bonecas e Flores.
É que ambas se parecem
Com os nossos Amores.

Mas se tivermos que optar
Entre qual delas escolher
Por tanto as amar
Como iremos fazer?

Pedir ajuda, nem pensar!
É que nestas coisas do Coração
Temos que decidir por nós
Mesmo que recebamos um Não…

9:47 da tarde  

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