A Morte da Conversa
Vimos que o silêncio morreu de morte macaca, assassinado pelos guinchos, estrondos, berros e clamores do nosso tempo, fruto azedo duma civilização mecânica, atroadora e implacável. E uma das mais nefastas consequências desse nefando crime foi ter arrastado consigo a morte da conversa.
A conversa, esse ameno, aprazível discretear, cuja alma é a simpatia — como dizia Hazlitt — exige o silêncio, que o discurso alternado dos interlocutores mobila de palavras leves, as quais, em vez de o perturbarem, como que o tornam mais sensível, parecendo que o que se ouve é apenas o eco do nosso próprio pensamento.
(...)
No discurso inaugural do Círculo Eça de Queirós, vai para 23 anos, já António Ferro lamentava o crescente abandono a que era votada a arte subtil da cavaqueira, do bate-papo «inter pares». E uma das razões que o levavam a defender com denodo habitual o «Círculo» nascente (Bronson Alcott e Emerson abonam a feliz designação) era criar em Lisboa um cantinho onde se pudesse «praticar», restaurando a conversa como restaurou e sacudiu o pó a tanta coisa da nossa terra: o jornalismo, as artes gráficas, o folclore, a arte popular...
(...)
Nada como a evolução semântica para aquilatar os estragos do tempo. O significado da gentil palavra corrompeu-se, poluiu-se, está viciado como o ar das cidades. A frase: — Havemos de ter uma conversa... — envolve uma nítida ameaça; quando alguém diz: — Tudo isso é conversa... — insinua a ideia de intrujice.
Assim, dizer-se que é necessário o diálogo — é pura conversa. A «honneste conversacion» louvada na Bíblia de Chartres morre, ou pelo menos agoniza. Não por falta de assunto: à míngua de silêncio, dento e fora de todos nós.
António Lopes Ribeiro, Anticoisas e Telecoisas (2.º Tomo de Aspectos do Nosso Tempo), Livraria Figueirinhas, Porto, 1963.
A conversa, esse ameno, aprazível discretear, cuja alma é a simpatia — como dizia Hazlitt — exige o silêncio, que o discurso alternado dos interlocutores mobila de palavras leves, as quais, em vez de o perturbarem, como que o tornam mais sensível, parecendo que o que se ouve é apenas o eco do nosso próprio pensamento.
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No discurso inaugural do Círculo Eça de Queirós, vai para 23 anos, já António Ferro lamentava o crescente abandono a que era votada a arte subtil da cavaqueira, do bate-papo «inter pares». E uma das razões que o levavam a defender com denodo habitual o «Círculo» nascente (Bronson Alcott e Emerson abonam a feliz designação) era criar em Lisboa um cantinho onde se pudesse «praticar», restaurando a conversa como restaurou e sacudiu o pó a tanta coisa da nossa terra: o jornalismo, as artes gráficas, o folclore, a arte popular...
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Nada como a evolução semântica para aquilatar os estragos do tempo. O significado da gentil palavra corrompeu-se, poluiu-se, está viciado como o ar das cidades. A frase: — Havemos de ter uma conversa... — envolve uma nítida ameaça; quando alguém diz: — Tudo isso é conversa... — insinua a ideia de intrujice.
Assim, dizer-se que é necessário o diálogo — é pura conversa. A «honneste conversacion» louvada na Bíblia de Chartres morre, ou pelo menos agoniza. Não por falta de assunto: à míngua de silêncio, dento e fora de todos nós.
António Lopes Ribeiro, Anticoisas e Telecoisas (2.º Tomo de Aspectos do Nosso Tempo), Livraria Figueirinhas, Porto, 1963.
2 Comments:
Vale a pena dar o mote: há sempre um confrade ilustrado que lhe responde. E que oportuna a tirada de ALR...
... Resta-nos jogar xadrez, Caro Confrade, que não há Cavalheiros suficientes para uma 'távola redonda'...
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